quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A escravidão no futebol europeu

Estamos em pleno campo... Do firmamento / os cartolas saltam como piratas no ouro / o estádio em troca apaga no fanatismo / constelações dos miúdos tesouros. Nada melhor que plagiar "Navios Negreiros", de Castro Alves, na escravidão moderna da rota do futebol mundial.

Uma nova forma de tráfico de escravos avança pela Europa, onde incontáveis garotos africanos e latinoamericanos são levados ou atraídos por clubes da Espanha, Itália, França e Inglaterra, todos sonhando com um futuro de craque, mas acordando em pesadelo.

Apesar das normas da FIFA serem explícitas no combate aos contratos de menores, a realidade é outra nas peneiras e canteiras europeias, onde atualmente existem pelo menos 20 mil meninos africanos abandonados à própria sorte, após o fracasso dos testes.

Responsável por uma minuciosa investigação na África e nos arredores de cidades como Oslo, Paris e Londres, o cineasta espanhol Miguel Alcantud, que nasceu em Cartagena, cidade de históricas navegações, está produzindo um filme sobre o problema.

No longa metragem “Diamantes Negros”, que foi apelido de alguns craques do passado oriundos da África e América do Sul - como o uruguaio Andrade, o brasileiro Leônidas e o africano Ben Barek - o diretor quer denunciar ao mundo a nova escravidão.

Segundo Alcantud, vários organismos internacionais e ONGs já operam na investigação do tema, ainda ignorado pela imprensa que só tem destacado os raros casos de êxito de algumas crianças com talento para o futebol. Mas a maioria está vivendo nas ruas.

“É uma nova perversão levada a cabo de várias maneiras”, diz o diretor, em reportagem estampada na terça-feira, 28, nos jornais da rede “Público”, que circula em algumas cidades europeias. Os meninos são atraídos por fantasias e até passaportes falsificados.
Alguns clubes, mandando às favas a determinação da FIFA, usam a tática de contratos temporários como jardineiros em seus estádios ou faxineiros nos bares da sede, só até constatar a ausência de talento. Grande parte é dispensada e vai sobreviver pelas ruas.

O representante da ONG “Culture Foot Solidaire”, ex-jogador camaronês Jean-Claude Mbvoumin, já denunciou oficialmente o fato no Parlamento Europeu. Há inúmeros casos em que as famílias vendem patrimônios para bancar a ida dos filhos à Europa.

Vivendo a realidade cruel da pobreza na África ou América Latina, os pais alimentam o sonho de ver seus filhos com perspectivas de vida melhor, imaginando-os novas versões de Eto’o e Drogba; e para isso, se endividam para garantir a viagem deles.

Quando chegam em solo europeu, nada é fácil como esperavam ou como fora prometido pelos olheiros inescrupulosos.
 
Se não desempenham bem nos testes ou sofrem lesões, são abandonados à própria sorte, longe das famílias e sem qualquer estrutura.

Miguel Alcantud, segundo o diário Público, de Madrid, descobriu na Noruega o garoto John Obi Mikel, que ficou na Inglaterra escondido por um dirigente do Chelsea até completar 18 anos. O rapaz disse que três nigerianos viviam também na mesma casa.

O advogado holandês Ronny Van Meij, especialista em direito esportivo, foi quem levantou o número absurdo de 20 mil meninos que saíram da África para jogar futebol na Europa e hoje estão perambulando pelas ruas de Paris, Londres, Madrid e Lisboa.

O roteiro do filme “Diamantes Negros” contará a trágica aventura das crianças latinas e africanas através de dois personagens, ambos vítimas do tráfico e do esquema de dinheiro e interesses mesquinhos dos empresários e cartolas do futebol na Europa.

Nascidos no Mali, os garotos do filme, Setigui Diallo e Hamidou Samaké, tentam a sorte em clubes de Madrid e Lisboa e acabam vivendo nas ruas. Um deles consegue retornar à casa dos pais e descobre a triste cota de sacrifício que financiou seu sonho.

A mensagem do diretor é focar na enorme quantidade de decepções, que estão longe da mídia e mais distantes ainda da realidade dos casos especiais de Eto’o, que viveu nas ruas e venceu, e de Messi, contratado pelo Barcelona aos 12 anos e que se tornou um mito e referência para novos sonhos de futuro dos meninos pobres. (AM)

Por Alex Medeiros

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