quinta-feira, 15 de março de 2012

Ricardo Teixeira alega que era "laranja" de Havelange

O esquema de pagamentos de propinas na Suíça pela empresa ISL e que, segundo a rede britânica BBC, envolve diretamente Ricardo Teixeira, foi criado como forma de garantir um salário paralelo para o então presidente da Fifa, João Havelange. Essa é a versão que o ex-presidente da CBF - renunciou na última segunda-feira e deixou José Maria Marin no cargo - usaria caso o escândalo viesse a público. Pessoas próximas a Teixeira na Europa dizem que ele alega que sequer era membro da Fifa na época e que, apesar de ter recebido o dinheiro, os fundos, na realidade, eram dirigidos para Havelange.

Sua defesa, porém, contrasta com as suspeitas de que os dólares eram um suborno para a cúpula do esporte brasileiro, com a finalidade de garantir contratos para empresas. Para a Justiça suíça, o propinoduto foi criado pela ISL e pela Fifa ainda nos anos 80 e movimentou, até 2001, cerca de US$ 140 milhões (R$ 252 milhões). Os investigadores consideram que a empresa fazia bem mais do que vender direitos da Copa. Era o próprio banco privado da Fifa, com a diferença de que não precisava passar por nenhum controle.

A polêmica envolvendo a ISL se transformou na principal ameaça para Ricardo Teixeira no exterior e também dentro da Fifa. O atual presidente da entidade, Joseph Blatter, depois de anos pagando advogados para conseguir manter os documentos em sigilo absoluto, passou a usar o escândalo para fragilizar e pressionar o dirigente brasileiro, que tornou-se seu desafeto ao apoiar a candidatura de Mohammed Bin Hammam, do Catar, à presidência na eleição do ano passado.

Agora, com sua saída, a Fifa poderá até mesmo publicar os documentos. Mas não abrirá investigações, já que se trata de um caso envolvendo um ex-membro. No COI, que também havia aberto uma investigação contra Havelange, o comitê de ética também chegaria à conclusão de que o brasileiro teria de ser expulso. Dias antes da decisão, Havelange alegou problemas de saúde e renunciou ao cargo que exercia na entidade.

Um tribunal do Cantão de Zug, na Suíça, abriu o caso e concluiu, em 2010, que "dois membros estrangeiros" da Fifa haviam de fato recebido subornos da ISL nos anos 90. Documentos obtidos pela Agência Estado mostram, ainda, que esses dois estrangeiros admitiram diante do tribunal o recebimento do dinheiro. Mas ambos optaram por pagar as multas estipuladas e devolver parte do que haviam ganhado em troca do arquivamento do processo e a manutenção dos detalhes em total sigilo. Segundo a BBC, essas pessoas são Teixeira e Havelange.

A reportagem apurou que Teixeira já se preparava para a divulgação dos documentos e montava sua defesa, baseada justamente na alegação de que o dinheiro não era para ele, mas sim para seu ex-sogro. Segundo sua própria tese, ele seria apenas um "laranja" de Havelange.

A justificativa do ex-presidente da CBF era de que Havelange, nos anos 80 e início dos 90, decidiu receber de forma extraoficial os recursos, já que, como presidente da Fifa, não ganhava um salário propriamente dito. A forma de garantir uma renda maior, segundo essas pessoas com bom trânsito com Teixeira, foi criar um canal de propinas entre a empresa que comercializava os direitos de tevê da entidade e a cúpula da organização.

FRAUDE DESCOBERTA

O sistema, porém, acabou perpetuado e foi descoberto, dentro da entidade, por causa de um erro daqueles que pagavam o suborno. No dia 3 de março de 1997, funcionários do setor de contabilidade da Fifa, em Zurique, foram surpreendidos com o depósito de US$ 1,5 milhão (R$ 2,7 milhões) na conta da entidade. O dinheiro vinha da ISL. Não entenderam a transação e chamaram o chefe da divisão de finanças. Ele também não sabia do que se tratava.

Naquele mesmo dia, uma reunião foi convocada com a presença do então secretário-geral da entidade, Joseph Blatter, hoje presidente. O cartola suíço não hesitou e ordenou aos funcionários da Fifa que transferissem o dinheiro imediatamente para a conta pessoal de seu chefe, o brasileiro João Havelange, sob o nome de Renford Investments. O caso, aparentemente, estava resolvido. O problema é que a informação sobre a propina já havia sido vazada. Fontes em Zurique confirmam que foi esse erro no depósito da ISL que abriu a primeira brecha para o vazamento

Hoje, na Suíça, o acesso aos documentos de Teixeira se transformou em uma batalha pela transparência do Poder Judiciário no país. Quatro jornais abriram processos para ter acesso oficial ao material. Além dos meios suíços, a BBC é o outro veículo de comunicação que iniciou o processo e também obteve o direito de ter acesso aos arquivos.

A promotoria do Cantão de Zug sugeriu que poderia abrir o processo, com a condição de que apenas dois nomes fossem revelados - o de Teixeira e o de Havelange. Todos os demais ficariam ainda mantidos em sigilo. Os cinco meios de comunicação aceitaram o acordo. A Corte de Zug então deu seu sinal verde para a revelação do teor das investigações. Mas as partes envolvidas apelaram e, agora, o caso aguarda uma decisão do Tribunal Superior, em Lausanne.

Federações estaduais rebeldes se articulam contra José Maria

Rio (AE) - Os dirigentes de pelo menos seis federações estaduais vão pressionar o novo presidente da CBF, José Maria Marin, para a convocação de uma eleição. Os cartolas alegam que elegeram Ricardo Teixeira e deram a ele, não a Marin, o direito de continuar à frente da entidade até abril de 2015. A clara influência que o mandatário da federação paulista, Marco Polo Del Nero, tem exercido sobre os primeiros passos de Marin como presidente da CBF só fez aumentar o descontentamento dos colegas

"Queremos a convocação de uma eleição", disse o presidente da federação baiana, Ednaldo Rodrigues. Um dos principais argumentos é que, em 2005, quando as 27 federações permitiram a extensão do mandato de Teixeira até a primeira assembleia-geral ordinária após a Copa de 2014, a medida cumpria uma exigência da Fifa. A entidade queria que o responsável por trazer a competição ao País continuasse no comando até o fim dos jogos.

"Se alguém perguntar ao Marin como foi que o Ricardo Teixeira trouxe a Copa ao Brasil, as estratégias que usou, ele não saberá responder porque não acompanhou o processo", disse Ednaldo. O grupo que defende a eleição tinha antes sete integrantes - por isso foi chamado de "G-7" pelos demais dirigentes -, mas perdeu o apoio do Distrito Federal. Agora, "fechados com a Bahia", como contou Rodrigues, estão Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pará e Paraná.

O cartola baiano espera o retorno ao Brasil de dois dos principais líderes do grupo: Francisco Noveletto Neto, da federação gaúcha, e Paulo Schettino, da mineira. Ambos estão nos Estados Unidos com as respectivas famílias e devem voltar no fim da semana. O dirigente recebeu com resignação a notícia de que Del Nero acompanhou nesta terça-feira Marin em seu primeiro dia oficial de trabalho como novo presidente.

Os seis temem a interferência da federação paulista no poder. "Não quero fazer nenhum julgamento, mas por que, se este processo de transição acontecia há tempos, só a federação paulista sabia de tudo?", indagou.

Estatuto tem brechas que vão ser exploradas

Embora seja considerada uma tarefa difícil, existem brechas no estatuto da CBF que permitiriam o sucesso de uma rebelião contra a permanência de José Maria Marin na presidência da entidade. O mesmo documento que garante a legalidade de Marin, enquanto novo chefe do futebol brasileiro, deixa espaço para que as federações tentem tirá-lo dessa posição.

Pelo estatuto da CBF, convocar uma assembleia-geral para destituir o presidente não é uma tarefa das mais difíceis. De acordo com o § 11º do Artigo 22 do estatuto, é preciso de um quinto dos votos das 27 entidades filiadas à CBF para que haja a convocação de uma reunião extraordinária, ou seja, com 6 votos a assembleia para deliberar sobre a destituição do presidente já pode ocorrer.

No caso de uma convocação dessa natureza, os clubes entram na jogada. Os 20 participantes da Série A do Campeonato Brasileiro têm direito a votar sobre o tema. E, de acordo com o documento, são necessários dois terços de votos dos presentes para que haja a destituição do presidente. Em um cenário em que todos os votantes compareçam (seriam 47), os rebeldes precisariam de pelo menos 30 votos para convocar novas eleições.

Com pelo menos seis federações declaradamente favoráveis a uma nova eleição, o novo comando "à paulista" da CBF precisará de bastante cuidado para evitar que um princípio de motim seja articulado. Essas federações, que já haviam se mostrado descontentes com o fato de o poder ir parar nas mãos de Marin - e, consequentemente, nas de seu mentor, Marco Polo del Nero - ainda têm terreno para crescer.

No auge da crise, no começo do ano, o grupo chegou a contabilizar 21 federações a seu favor. Mas como a renúncia de Teixeira pegou a maioria de surpresa, há agora uma zona cinzenta, formada pelos cartolas que estão em compasso de espera É o caso, por exemplo, do presidente do Palmeiras, Arnaldo Tirone. Nesse jogo de poder, o papel dos clubes em uma eventual reviravolta é essencial. E, por isso, os dirigentes dos times têm mostrado que querem mais poder de decisão. Já há presidentes de clubes que defendam a criação de uma Liga, para que as decisões sobre as competições fiquem a cargo dessa entidade.

Um deles é Alexandre Kalil, do Atlético Mineiro. "Disse a ele (Marin) que tem essa possibilidade de revolucionar o futebol brasileiro em geral. Copa do Mundo é só um mês, precisamos marcar uma reunião para conversar". Marcelo Guimarães, do Bahia, é mais radical. Ele está na ala dos dirigentes que defendem a convocação de uma eleição. "Um novo processo de eleição será salutar, pois nos daria oportunidade de discutir novas ideias e conceitos para o esporte. Além do mais, quem foi eleito foi o Ricardo e ainda falta muito tempo para que o mandato acabe. Um mandato tampão de três anos é muito longo".

Outra reivindicação é por revisão no calendário. O presidente do Santos, Luis Alvaro Ribeiro, defendeu que haja espaço para que os times possam excursionar fora do país "como fonte para o crescimento dos clubes e maior intercâmbio com outros mercados". Dirigentes dos quatro grandes clubes do Rio de Janeiro articulam para construir uma agenda conjunta de propostas e projetos para este período de transição.

Fonte: AE

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